O Tridente da Dominação: Estado, Igreja e Exército

Na coreografia do poder que atravessa séculos, três instituições sempre dançaram juntas no palco da opressão: o Estado, a Igreja e o Exército. Chamam isso de civilização. Nós, anarquistas, chamamos de dominação sistematizada.
O Estado, com sua fachada de representação, é o grande gerente da desigualdade. Nos prometem “democracia”, mas, como já denunciava José Saramago, trata-se de uma ilusão confortável: o cidadão não participa, apenas é convocado a ratificar escolhas já feitas, por partidos, por lobbies, por oligarquias. O povo vota, mas não governa. Ele obedece, paga, sofre. Quando ousa contestar, é enquadrado.
A Igreja, longe de ser apenas fé ou espiritualidade, historicamente foi parceira fiel da submissão. De bênção em coroações a justificativa para colonizações, sempre abençoou os impérios e amaldiçoou os povos rebeldes. Do púlpito ao confessionário, ensinou a aceitar o sofrimento como virtude, prometendo recompensas celestiais em troca da resignação terrena.
E o Exército, a ponta de lança do controle, é o músculo armado do Estado. Quando a farsa da democracia falha, entra ele para “restaurar a ordem”, ou seja, silenciar a dissidência. De Canudos ao Haiti, das favelas brasileiras às ocupações militares no exterior, o Exército é treinado não para proteger o povo, mas para conter o povo.
Essas três forças, burocrática, espiritual institucionalizada e bélica, não estão separadas: são faces do mesmo regime de autoridade. Um garante a obediência pela lei, o outro pela fé, o terceiro pelo medo. Enquanto isso, o capital, sorrateiro e onipresente, financia a todos, sorri dos bastidores e cresce.
Como ensina o anarquismo, não existe Estado neutro, Igreja desinteressada ou Exército democrático. São estruturas fundadas na hierarquia e no controle. Não há liberdade onde há poder centralizado, nem justiça quando a autoridade decide o que é moral, legal e legítimo.
A crítica anarquista é, portanto, uma recusa total a essa arquitetura de dominação. Não queremos um Estado “melhor”, uma Igreja “mais moderna” ou um Exército “humanitário”. Queremos horizontes novos, onde as pessoas decidam por si, construam juntas, cuidem umas das outras sem pastores, sem generais, sem políticos.
Enquanto existir Estado, haverá privilégio.
Enquanto houver Igreja como poder, haverá culpa como ferramenta de controle.
Enquanto houver Exército, haverá guerra, contra os de fora e, principalmente, contra os de dentro.
Como disse Elisée Reclus, geógrafo anarquista: “Enquanto houver uma sociedade baseada na autoridade, o povo será esmagado.”
E como ecoou Voltairine de Cleyre, “A liberdade nunca será dada. Ela será conquistada.”
É tempo de romper com os velhos deuses do poder. Nem voto, nem fé cega, nem marcha militar. Queremos autonomia, solidariedade e ação direta. Não um novo mundo feito por eles, mas um mundo finalmente feito por nós.
Quebrar o tridente da dominação é acender a centelha da liberdade. Não queremos lideranças sagradas, fardadas ou eleitas, queremos a dignidade construída de mãos dadas, por nós mesmos.
O futuro não virá do alto: nascerá de baixo, onde sempre floresceu a verdadeira revolução.
Paz entre nós, guerra aos senhores!