Enéas Carneiro: A mente brilhante que jamais se levantou contra o trono!

Enéas Tinha Razão (Enéas Ferreira Carneiro) é, sem dúvida, uma das figuras mais peculiares e controversas da política brasileira. Médico, cardiologista, físico, professor, escritor, autodidata, um gênio multifacetado. Um homem que falava com paixão, que pensava rápido, que encantava plateias com seu domínio da oratória e da ciência. Mas, paradoxalmente, toda essa potência intelectual esteve ajoelhada diante do mesmo altar que sustenta a opressão: o Estado, a ordem, o nacionalismo autoritário e o culto à hierarquia.
Era brilhante, sim, mas nunca rebelde!
Enéas foi a expressão de um nacionalismo inflamado, reacionário e militarista, que buscava “resgatar o Brasil” através da disciplina, do poder centralizado e da força do Estado. Em nome de “salvar a pátria”, propunha mais investimento militar, mais rigidez moral, mais Estado forte. Um Estado que, segundo ele, seria capaz de “pôr ordem na casa” e desenvolver o país por meio da técnica, da ciência e da autoridade. Mas ordem para quem? E autoridade sobre quem?
Essa crença cega na máquina estatal é exatamente o que o anarquismo denuncia: não importa quem aperte os botões, o sistema continuará esmagando a autonomia, suprimindo as diferenças e sufocando a liberdade. Enéas não era contra o sistema, queria apenas ser o seu operador mais eficaz. Seu projeto de nação era vertical, duro, homogêneo e militarizado. Via no povo uma massa a ser guiada, não sujeitos a se autogovernarem.
Ele gritava contra a corrupção, contra os vendilhões da pátria, contra a entrega das riquezas nacionais ao capital estrangeiro, com razão! Mas sonhava com um Brasil forte como um quartel, limpo como um laboratório, fechado como um templo. Jamais rompeu com a estrutura de dominação: queria reformá-la, blindá-la, torná-la eficiente. Nunca quis destruí-la.
Enéas foi, em essência, o gênio trágico: um homem que enxergava a doença, mas receitava mais do mesmo veneno. Seu famoso bordão “meu nome é Enéas!” era o grito de um homem contra o esquecimento, contra a mediocridade política, mas não contra o poder em si. O poder que oprime, que hierarquiza, que concentra riquezas e impõe regras, esse ele queria apenas “corrigir”, não abolir. Seu discurso era inflamado, mas sua chama nunca foi libertária. Jamais falou em autogestão, democracia direta, descentralização do poder, nem em coletividades autônomas.
Me chamo Anarquia: semente rebelde, raiz profunda, flor indomável, trago boas novas com roupagens velhas: o verdadeiro rompimento com a opressão começa com a recusa a qualquer forma de dominação, inclusive as bem-intencionadas.
A genialidade de Enéas, canalizada para fortalecer o Leviatã em vez de desmantelá-lo, foi como uma espada afiada usada para polir correntes. Enéas foi contra o imperialismo, mas nunca contra o autoritarismo. Foi contra a corrupção, mas não contra a lógica do capital. Foi contra os partidos tradicionais, mas nunca questionou a estrutura partidária. Foi contra a manipulação da mídia, mas não propôs o empoderamento direto das comunidades. Seu caminho apontava para o topo da pirâmide, nunca para a dissolução da pirâmide.
Não há dúvida de que seu amor pelo país era sincero. Mas amor por uma pátria construída com cercas e muros, não com pontes e assembleias populares. Seu nacionalismo era, na prática, o oposto da liberdade: era mais um cárcere adornado de verde e amarelo. Enéas não foi um revolucionário. Foi, no máximo, um reformador indignado com os efeitos do sistema, mas ainda devoto de sua essência. E no final das contas, pouco importa o brilho da mente, se ela se recusa a iluminar as sombras da dominação. Enéas morreu como viveu: aplaudido por militares, respeitado pelos conservadores, temido pela esquerda, e reverenciado por jovens órfãos de lideranças radicais, mas jamais lembrado por ter construído qualquer espaço de autonomia popular.
Me chamo anarquismo, poesia armada, verbo livre, sem grades, não nego a inteligência de Enéas, mas recuso sua fé no poder, sua submissão ao Estado, sua crença de que um “governo forte” salvará o povo, o povo não precisa de salvadores. Precisa de liberdade para se salvar por si mesmo.
No grande teatro do poder, Enéas foi apenas mais um ator genial, mas ainda preso ao roteiro do dominador. Vestiu a farda do Estado, empunhou livros como espadas, discursou como trovão, mas esqueceu que a liberdade não se grita de cima de um palanque, se vive de baixo, nas praças, nas ruas, nos encontros sem chefes nem senhores. De Vargas a Bolsonaro, de Lula a Temer, de Enéas ao último vereador, todos prometeram mundos novos, mas só pintaram de novo as grades.
Enquanto houver tronos, não haverá chão. Enquanto houver governos, não haverá povo livre. Enquanto houver chefes, não haverá festa. E o verdadeiro sonho… é aquele onde ninguém manda, e todo mundo dança.
Paz entre nós, desobediência, essa chama que dança, relâmpago contínuo, sopro de verdade, guerra aos senhores!
Vox populi, vox Dei
(A voz do povo é a voz de Deus)